Quer conhecer Okinawa mais de perto?
Quais são as diferenças e semelhanças entre Okinawa e Brasil?
Leia abaixo as impressões do bolsista de Nishihara de 2012, Vinicius Sadao:
Olá, eu sou Vinicius Sadao Tamanaha, 26. Bolsista 2012 da cidade de Nishihara.
Cheguei em Okinawa por volta de julho e retorno em meados de dezembro. Gostaria
de compartilhar algumas das experiências e pensamentos que tenho passado em
Okinawa através do blog do Urizun. Então todo conteúdo que escrevi são
percepções pessoais um tanto quanto intuitivas, eu posso estar enganado em
alguns pontos, logo me corrijam nos comentários quando sentirem necessidade.
Ryukyu Mura |
Desde então, vir para Okinawa era um objetivo pessoal. No Brasil tenho
aprendido e participado dos eventos dentro da comunidade nikkei. Ao longo desse
tempo pratiquei algumas atividades artísticas e culturais como Sanshin, Ryukyu
Buyo, Yosakoi Soran, Banda de músicas pop japonesa, Wadaiko, Tsugaru
Shamisen.
Apesar de um grande interesse na cultura
Okinawa e Japonesa, apenas tive contato com a cultura através dos descendentes
no Brasil. Estar em Okinawa pode-me fazer ver a cultura de um outro modo e ter
um novo entendimento.
Tradição, historicidade e identidade cultural com implicação nos
tempos contemporâneos
Por ter vivido basicamente a minha vida inteira no Brasil, todo o meu
repertório e referência de vida vem do mesmo. É sabido que o Brasil é um país
jovem, assim como sua história. A ideia de como o passado pode influenciar em
nosso comportamento não pode ser tão sentido no Brasil como no Japão (no caso
Okinawa, onde estou atualmente). Vou citar alguns exemplos:
O Brasil não tem tradição em guerras sendo impossível imaginar, antes de
vir para Okinawa, as consequências reais que um histórico de guerras acarreta.
O que me disseram, é que atualmente alguns países estão contra o Japão: Rússia,
China, Coreia do Norte e Coreia do Sul. Todos os países tiveram conflito direto
com o Japão.
Protesto contra a chegada das aeronaves Osprey |
Em específico a atual disputa territorial por algumas ilhas entre Japão
e China está criando um grande mal-estar entre a diplomacia dos dois países., apesar de a disputa ser, de certa forma recente (a partir dos anos 70). O
ressentimento de anos de guerra faz com que os dois países tenham grande
dificuldade de um acordo bilateral. Estamos acostumados no Brasil a não ter
atritos ou ressentimento com outros países, ao menos não nas proporções que se
vê no Japão.
Outro problema de motivo histórico são as bases americanas em Okinawa.
Recentemente chegou uma dezena de aeronaves, Osprey. O que irá acarretar
grandes distúrbios entre a população. A questão que quero levantar no momento é: como um tratado de pós guerra pode se manter por tanto tempo? Apesar de ambos
os países já possuírem em maioria gerações de pessoas que não participaram da
guerra. Mesmo que todo o mundo tenha mudado diversas vezes em ordem política e econômica, não existindo mais Eixo e Aliança, ou até mesmo a União Soviética e
o muro de Berlim já são passado, o tratado se mantem. O Japão não pode ter seu
próprio exército. E pelo que me contaram, o governo japonês tem que pagar para
os EUA, pelas bases militares em Okinawa. (Essa questão é um muito extensa, por
isso no momento levantei um único ponto apenas).
Uma situação curiosa foi com relação à eleição para prefeito na cidade
em que estou. Dizendo melhor, não houve eleição por falta de concorrência,
então o atual prefeito foi reeleito diretamente, sem a necessidade de votação.
Ainda há a possibilidade de se reeleger infinitamente. Para nós da cultura
ocidental o conceito de democracia se difere um pouco. Essa ideia de reeleição
ilimitada e falta de candidato que é aceito no Japão, não seria possível no
Brasil atual.
Uma das dificuldades peculiares que tenho por aqui é como usar as moedas
de 1 iene (o que seria equivalente a 1 centavo de Real). No Brasil, onde se
teve longos anos de inflação e infinitas mudanças de moeda, não damos muito
valor a valores pequenos, tanto na hora de pagar como na hora de receber o
troco. Podemos pagar a mais ou receber a menos e vice-versa. E quem se importar
com trocados e miúdos vai passar pela fama de mesquinho. Porém no Japão, o
valor é seguido a risca. O resultado prático é que eu sempre dou valor a mais,
por exemplo: um refrigerante que custa 88 iene, logo eu pago 90 iene por ser
mais prático e rápido, ao invés de ficar contando moedas de 1 iene. Mas no
Japão, você irá receber 2 iene de troco sem falta. Por fim, tenho acumulado
algumas dezenas de moedas de 1 iene.
Multiplicidade e Uniformidade Cultural
Eisá na Kokusai doori |
O meu ponto de vista pessoal sobre isso, baseado na minha
experiência em Okinawa é que o Brasil ainda não possui uma cultura que podemos
dizer de fato brasileira. Devido a variedade de imigrantes, diversidade
religiosa, a extensão territorial, a grande desigualdade social e o curto
horizonte histórico, o que há é um conglomerado de culturas acontecendo e se
formando simultaneamente em um mesmo território. Os estereótipos de Brasil como samba e
carnaval vistos hoje são um fenômeno recente em comparação a tradição Japonesa.
Apesar de considerar um aspecto extremamente positivo a diversidade
cultural, em termos de Brasil, ainda tempos muito que aprender em como conviver
com as diferenças. Vivemos esses choques das diferenças todos os dias,
refletindo até nos nossos gostos musicais, por exemplo. Ou você vai me dizer
que se sente indiferente quando um sujeito com um celular tocando funk carioca
se senta do seu lado no ônibus?
Em Okinawa, esses conflitos de aversão cultural estão sendo desapercebidos por mim. Não pude identificar nenhum senso de intolerância. Pois aqui existe
uma certa uniformidade nos parâmetros citados anteriormente: etnia, religião,
situação sócio-econômica e territorialidade. O que existe, ou o que foi
possível ver, é que na cultura local existe um "um tronco principal" e
a partir dessa, ramificações e variações. E com o fator da longa história, toda
cultura é extremamente enraizada.
Odori na Kokusai doori |
Essa uniformidade cultural que se tem em Okinawa tem como consequência
direta a ausência dos pequenos conflitos diários. Por fim, uma qualidade de
vida melhor. Vivemos esses atritos das diferenças todos os dias. O que faz com
que nós não fiquemos pasmos mais. Apesar de toda variedade de pessoas que o
Brasil possui, ainda não sabemos conviver com essas diferenças. Talvez, há
poucas coisas que nos unem de fato como integrantes de uma mesma nação. Com
exceção do futebol em Copa do Mundo.
FC Barcelona da educação
O grande fenômeno do futebol nos últimos tempos tem sido o time do
Barcelona, que construiu uma fábrica de revelar talentos, com formação
continuada da categoria de base até o profissional. Os resultados são assim
sólidos e duradouros. E esse conceito acontece nas escolas por aqui. Não em
questão de futebol ou esporte, mas em questão geral de educação.
Tive a oportunidade de ir e interagir nas aulas de 10 jardim de infância
(hoikuen), assistir inúmeros undokais e outros eventos da escola elementar
(shoo gakkoo) e assistir as aulas da escola júnior (chuu gakkoo). Shoo Gakkoo e
Chuu Gakkoo seriam equivalentes ao Ensino Fundamental no Brasil.
Estudantes do Chuu gakko de Nishihara |
O que pude ver é que certos valores são trabalhados desde o jardim de
infância até aos 15 anos da mesma maneira (formação continuada da base à maturidade). Um exemplo são as refeições. São servidas na sala de aula e os
próprios alunos se encarregam de servir seus colegas e fazer a limpeza depois da
refeição.
O senso de disciplina também é um outro ponto trabalhado. Disciplina não
no sentido de ficar em silêncio, sem fazer zombaria, mas no sentido de receber
comandos e atendê-los rápido. Talvez a imagem que as pessoas têm é de japoneses
extremamente robotizados por causa da forte disciplina educacional. Isso seria
um equívoco muito grande. As crianças e jovens são extremamente espontâneas. A
interação dos professores e alunos são bem pessoais, permitindo espaço para
brincadeiras e piadas. Porém, quando requisitado a ordem e organização são rapidamente estabelecidas pelos professores.
Sala de aula do Chuu gakko |
Aquela aula de educação artística que se tinha na escola brasileira, mas
que na verdade era aula de geometria ou qualquer outra coisa, aqui não se vê.
As aulas de artes são realmente de artes. A infra-estrutura das salas de música
é de um nivel de curso técnico no Brasil. E o resultado que os alunos
apresentam apresentações de música que são incabíveis para nossa realidade
brasileira. Toda aula extra curricular é tratada com igual importância.
Um aspecto fundamental é a dimensão das escolas, apesar de toda economia
de espaço na cidade. Se tratando de escolas, não há economia de espaço. Todas as
escolas são sempre muito amplas, com ginásio multidisciplinar para esportes e
eventos e área para esportes ao ar livre e eventos que necessitam um lugar maior
como os undokai.
Os alunos têm uma participação além dos horários de aula, fazendo a
manutenção e limpeza da escola em finais de semanas, principalmente depois dos
tufões. E os eventos feitos na escola têm a participação dos pais, o que torna
a escola não só um centro de ensino, mas um o local onde toda a família se
volta como uma área de convívio comum entre as pessoas da região.
Por fim, é preciso destacar a dedicação das crianças que mesmo em férias
de verão, por conta própria vão as bibliotecas para estudar. Muitas delas
chegam antes da biblioteca abrir. E esperam com animação o horário de
funcionamento da biblioteca, sem demonstrar peso de ter que estudar em plenas
férias. No período letivo muitas delas fazem aulas de reforço no período
noturno.
Os alunos podem ir por conta própria para escola, assim como para
permanecer em atividades extras curriculares, pois o trânsito e a violência são
muitos menos agressivos que na cidade de São Paulo. É possível ver crianças
de até 8 anos andando nas ruas por conta própria, mesmo durante a noite. A
escola japonesa segue o mesmo padrão em todo o Japão, o que no resultado final
deixa todos em condição de igualdade para entrar na universidade, além de
fortalecer os valores do país.
Apesar da educação brasileira ser falha, não acredito que seria possível
fazer uma simples cópia do modelo japonês. A escola japonesa está ligada a
cultura local. Tantos nos valores ensinados, como na relação geográfica entre a
disposição das áreas residenciais e a escola. É um conjunto de fatores que
torna a escola japonesa eficiente e relevante no papel de construção de um
futuro de uma nação.
Tempo como valor cultural
Sunahuki (cabo de guerra) do bairro de Kohatsu - Nishihara-cho |
Os dois países, tanto o Japão quanto a Inglaterra, passaram por uma forte
fase de industrialização, onde as produções tinham que seguir a risca o
cronograma, com as pessoas estando sempre com pressa, comendo rápido e
trabalhando em linhas de produção como uma máquina. Assim as pessoas ao longo
do tempo se habituaram a seguir a risca os horários.
Tanto Okinawa como o Brasil, no entanto, não passaram por esse processo.
Okinawa era conhecido pelo seu "Okinawa time", sempre atrasados.
Porém isso não acontece mais hoje em dia. Com a incorporação de Okinawa ao
Japão, esse valor foi transferido para ilha, sendo agora "Okinawa on
time", mas os Okinawanos ainda me parecem mais tolerantes com relação a
atrasados do que os japoneses da ilha principal.
Um exemplo das diferenças também está em que algumas salas de musicais
em São Paulo podem chegar a atrasar meia hora de propósito, enquanto alguns
lugares do Japão podem antecipar o espetáculo em 5 minutos.
A relação do tempo não se restringe apenas em ser pontual, mas como em
toda relação humana. Em uma conversa com um japonês, provavelmente, ele espera
de você respostas exatas e práticas, sem rodeios, enquanto os brasileiros
gastam muito tempo falando de assuntos supérfluos. A consequência disso é que
os Britânicos e Japoneses são vistos pelos brasileiros como um povo frio nos
relacionamentos.
Essa relação já muda completamente se tratando de Okinawa. É um povo
caloroso, assim como os brasileiros. Pois ambos os lugares tiveram processos
históricos distintos dos países onde houve uma forte industrialização, assim a
relação do tempo é diferente: sem pressa, o que implica em uma relação humana
mais agradável dentro do nosso ponto de vista, brasileiro.
Apesar de muitas vezes a pontualidade ser vista como um fator positivo
em ambas as culturas, Brasileira como Japonesa, o tempo como valor cultural é
apenas um valor. Indiferente de ser bom ou ruim, são apenas diferenças
culturais. Nós, no Brasil, lugar onde ainda estamos configurando os valores
culturais, podemos fazer escolhas dos valores. E buscar um equilíbrio melhor
entre tempo e relações humanas.
Transporte público
O transporte público em Okinawa é um caso peculiar. O sistema em si é
bem diferente do que temos em São Paulo e deve ser diferente de outras cidades
maiores do Japão.
O único transporte público que se entende por toda ilha é ônibus. Sempre
ficamos abismados com as tarifas de ônibus e metrô inflacionando no Brasil. Antes de
vir para Okinawa, o preço da passagem chegava aos exorbitantes 3 reais.
Os ônibus em Okinawa, você paga pela distância percorrida. Como
funciona? Você entra em pega um papel com um número, em uma máquina própria
para isso. A cada grupo de pontos esse número vai aumentando. Dentro do ônibus
tem um painel com esses números e os valores referentes a serem pagos. Como é um
painel digital, conforme o ônibus vai seguindo o seu trajeto, o valor a ser
pago vai aumentando.
O valor inicial é de 160 ienes (algo em torno de 4 reais). Eu gastava em
torno de 30 reais para ir de Katsuren-cho a Nishihara-cho, todos os dias, pegando dois ônibus, com uma distância percorrida em 1 hora e meia. Ou seja, a
relação do transporte público é completamente diferente.
Os ônibus em muitos horários circulam praticamente vazios. Muitas vezes,
e foram inúmeras vezes, parecia que eu estava em um ônibus particular apenas
para mim. A maioria das pessoas usam carro, sendo em maioria estudantes e
idosos que usam o ônibus, pois podem pagar uma tarifa especial. O que acontece,
pelo que me explicaram, é que o governo subsidia as empresas de transporte
público, assim elas não tem prejuízo.
Os ônibus passam nos pontos com horário marcado. Porém nem sempre é
seguido a risca. E na maioria das vezes em uma hora passa apenas dois ônibus.
Diferente do estamos acostumados em São Paulo, com ônibus a cada 10 ou 15
minutos e mesmo assim sempre cheios.
Um dos motivos que eu imagino para o governo manter o transporte público
caro e ineficiente por aqui é para proteger a indústria automobilística.
Assim, todos têm que comprar carro. Rigorosamente, todas as pessoas têm carro. E
outro ponto que me foi comentado, é que os carros mais antigos têm impostos
mais altos em relação aos mais novos.
Desconheço as práticas do governo japonês, mas de alguma forma as marcas
de carro estrangeiras não entram por aqui, em Okinawa ao menos. Carros de marca
não japonesa são uma raridade.
Provavelmente, transporte público não é uma das questões de debates
políticos em Okinawa, apesar de parecer uma medida um tanto quanto estranha não
se investir em um transporte de massa eficiente. O Brasil também possui muitas
contradições na relação de proteger a indústria automobilística, como: reduzir os
impostos para aquecer as compras, mas por outro lado sempre impor rodízios para
redução de veículos em circulação.
4 comentários:
Parabéns Sadao!!! お疲れ様!
MUITO BEM REDIGIDO! KARIYUSHI!!!
Arigatou !! =]
Parabéns Sadao !
Não sei se vai se lembrar de mim,mas sou filha do Sr. Yasunori Yonamine e Helena, aqui do Grupo de Nishihara de São Paulo.
Que alegria em ler as suas descrições !!! O estágio foi mais que aproveitado. Creio que no dia 03/02/13 , na festa aqui no Carrão, vc poderá compartilhar dessas vivências com todos. Grande Abraço.
Cintia Yumi Yonamine Vaz
Postar um comentário