quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Nishihara 2012


Quer conhecer Okinawa mais de perto? 
Quais são as diferenças e semelhanças entre Okinawa e Brasil? 
Leia abaixo as impressões do bolsista de Nishihara de 2012, Vinicius Sadao:

Da esquerda para direita, Makabe sensei, Higa Hiroki (Kenshusei de Yomitan), Goya Mariela (Argetina, kenshusei de Nishihara), Tamanaha Sadao (Brasil, kenshusei de Nishihara), Miyahira Ritsuko (Peruana, kenshusei de Nishihara)

Olá, eu sou Vinicius Sadao Tamanaha, 26. Bolsista 2012 da cidade de Nishihara. Cheguei em Okinawa por volta de julho e retorno em meados de dezembro. Gostaria de compartilhar algumas das experiências e pensamentos que tenho passado em Okinawa através do blog do Urizun. Então todo conteúdo que escrevi são percepções pessoais um tanto quanto intuitivas, eu posso estar enganado em alguns pontos, logo me corrijam nos comentários quando sentirem necessidade.

Ryukyu Mura
Fazendo uma breve introdução sobre mim. Sou formando em composição musical pela Unicamp. O meu interesse pela cultura Okinawa e Japonesa surgiu há 9 anos atrás (faço a distinção entre Okinawa e Japão, pois há grandes diferenças culturais entre os dois lugares, muito embora em outros momentos se assemelhem por Okinawa fazer parte do Japão).

Desde então, vir para Okinawa era um objetivo pessoal. No Brasil tenho aprendido e participado dos eventos dentro da comunidade nikkei. Ao longo desse tempo pratiquei algumas atividades artísticas e culturais como Sanshin, Ryukyu Buyo, Yosakoi Soran, Banda de músicas pop japonesa, Wadaiko, Tsugaru Shamisen.

Apesar de um grande interesse na cultura Okinawa e Japonesa, apenas tive contato com a cultura através dos descendentes no Brasil. Estar em Okinawa pode-me fazer ver a cultura de um outro modo e ter um novo entendimento.


Tradição, historicidade e identidade cultural com implicação nos tempos contemporâneos

Por ter vivido basicamente a minha vida inteira no Brasil, todo o meu repertório e referência de vida vem do mesmo. É sabido que o Brasil é um país jovem, assim como sua história. A ideia de como o passado pode influenciar em nosso comportamento não pode ser tão sentido no Brasil como no Japão (no caso Okinawa, onde estou atualmente). Vou citar alguns exemplos:

O Brasil não tem tradição em guerras sendo impossível imaginar, antes de vir para Okinawa, as consequências reais que um histórico de guerras acarreta. O que me disseram, é que atualmente alguns países estão contra o Japão: Rússia, China, Coreia do Norte e Coreia do Sul. Todos os países tiveram conflito direto com o Japão.

Protesto contra a chegada das aeronaves Osprey
Em específico a atual disputa territorial por algumas ilhas entre Japão e China está criando um grande mal-estar entre a diplomacia dos dois países., apesar de a disputa ser, de certa forma recente (a partir dos anos 70). O ressentimento de anos de guerra faz com que os dois países tenham grande dificuldade de um acordo bilateral. Estamos acostumados no Brasil a não ter atritos ou ressentimento com outros países, ao menos não nas proporções que se vê no Japão.

Outro problema de motivo histórico são as bases americanas em Okinawa. Recentemente chegou uma dezena de aeronaves, Osprey. O que irá acarretar grandes distúrbios entre a população. A questão que quero levantar no momento é: como um tratado de pós guerra pode se manter por tanto tempo? Apesar de ambos os países já possuírem em maioria gerações de pessoas que não participaram da guerra. Mesmo que todo o mundo tenha mudado diversas vezes em ordem política e econômica, não existindo mais Eixo e Aliança, ou até mesmo a União Soviética e o muro de Berlim já são passado, o tratado se mantem. O Japão não pode ter seu próprio exército. E pelo que me contaram, o governo japonês tem que pagar para os EUA, pelas bases militares em Okinawa. (Essa questão é um muito extensa, por isso no momento levantei um único ponto apenas).
Base Americana

Uma situação curiosa foi com relação à eleição para prefeito na cidade em que estou. Dizendo melhor, não houve eleição por falta de concorrência, então o atual prefeito foi reeleito diretamente, sem a necessidade de votação. Ainda há a possibilidade de se reeleger infinitamente. Para nós da cultura ocidental o conceito de democracia se difere um pouco. Essa ideia de reeleição ilimitada e falta de candidato que é aceito no Japão, não seria possível no Brasil atual.

Uma das dificuldades peculiares que tenho por aqui é como usar as moedas de 1 iene (o que seria equivalente a 1 centavo de Real). No Brasil, onde se teve longos anos de inflação e infinitas mudanças de moeda, não damos muito valor a valores pequenos, tanto na hora de pagar como na hora de receber o troco. Podemos pagar a mais ou receber a menos e vice-versa. E quem se importar com trocados e miúdos vai passar pela fama de mesquinho. Porém no Japão, o valor é seguido a risca. O resultado prático é que eu sempre dou valor a mais, por exemplo: um refrigerante que custa 88 iene, logo eu pago 90 iene por ser mais prático e rápido, ao invés de ficar contando moedas de 1 iene. Mas no Japão, você irá receber 2 iene de troco sem falta. Por fim, tenho acumulado algumas dezenas de moedas de 1 iene.

Multiplicidade e Uniformidade Cultural


   
Eisá na Kokusai doori
Um comentário que pode ser facilmente aceito é: "O Brasil é um país do futuro, pois abriga uma diversidade cultural no mesmo território". Provavelmente eu escutei algo do gênero em um programa popular de final de semana da TV brasileira em uma época que eclodia conflitos religiosos e políticos no oriente médio.

O meu ponto de vista pessoal sobre isso, baseado na minha experiência em Okinawa é que o Brasil ainda não possui uma cultura que podemos dizer de fato brasileira. Devido a variedade de imigrantes, diversidade religiosa, a extensão territorial, a grande desigualdade social e o curto horizonte histórico, o que há é um conglomerado de culturas acontecendo e se formando simultaneamente em um mesmo território.  Os estereótipos de Brasil como samba e carnaval vistos hoje são um fenômeno recente em comparação a tradição Japonesa.

Apesar de considerar um aspecto extremamente positivo a diversidade cultural, em termos de Brasil, ainda tempos muito que aprender em como conviver com as diferenças. Vivemos esses choques das diferenças todos os dias, refletindo até nos nossos gostos musicais, por exemplo. Ou você vai me dizer que se sente indiferente quando um sujeito com um celular tocando funk carioca se senta do seu lado no ônibus?

Em Okinawa, esses conflitos de aversão cultural estão sendo desapercebidos por mim. Não pude identificar nenhum senso de intolerância. Pois aqui existe uma certa uniformidade nos parâmetros citados anteriormente: etnia, religião, situação sócio-econômica e territorialidade. O que existe, ou o que foi possível ver, é que na cultura local existe um "um tronco principal" e a partir dessa, ramificações e variações. E com o fator da longa história, toda cultura é extremamente enraizada.

    
Odori na Kokusai doori
Mesmo que o Brasil tenha uma diversidade, muitas vezes a cultura trazida pelos imigrantes é exposta e entendida de maneira superficial ou até errônea. Quando um programa popular de televisão tenta expor uma cultura, por exemplo a japonesa, em sua programação. Apesar de toda boa vontade, é possível ver pequenos equívocos ou extrema simplificação de algo complexo.

Essa uniformidade cultural que se tem em Okinawa tem como consequência direta a ausência dos pequenos conflitos diários. Por fim, uma qualidade de vida melhor. Vivemos esses atritos das diferenças todos os dias. O que faz com que nós não fiquemos pasmos mais. Apesar de toda variedade de pessoas que o Brasil possui, ainda não sabemos conviver com essas diferenças. Talvez, há poucas coisas que nos unem de fato como integrantes de uma mesma nação. Com exceção do futebol em Copa do Mundo.


FC Barcelona da educação

O grande fenômeno do futebol nos últimos tempos tem sido o time do Barcelona, que construiu uma fábrica de revelar talentos, com formação continuada da categoria de base até o profissional. Os resultados são assim sólidos e duradouros. E esse conceito acontece nas escolas por aqui. Não em questão de futebol ou esporte, mas em questão geral de educação.

Tive a oportunidade de ir e interagir nas aulas de 10 jardim de infância (hoikuen), assistir inúmeros undokais e outros eventos da escola elementar (shoo gakkoo) e assistir as aulas da escola júnior (chuu gakkoo). Shoo Gakkoo e Chuu Gakkoo seriam equivalentes ao Ensino Fundamental no Brasil.

  
Estudantes do Chuu gakko de Nishihara
Educação passou a ser investida e universalizada pelo Estado japonês na Era Meiji, mas o atual modelo foi reformulado durante o pós-guerra, com influência do modelo Americano de ensino. As escolas de jardim de infância (com crianças de 0 anos a 5 anos) são em geral particulares, enquanto a escola elementar e junior são em sua maioria públicas (dos 6 anos aos 15 anos).

O que pude ver é que certos valores são trabalhados desde o jardim de infância até aos 15 anos da mesma maneira (formação continuada da base à maturidade). Um exemplo são as refeições. São servidas na sala de aula e os próprios alunos se encarregam de servir seus colegas e fazer a limpeza depois da refeição.

O senso de disciplina também é um outro ponto trabalhado. Disciplina não no sentido de ficar em silêncio, sem fazer zombaria, mas no sentido de receber comandos e atendê-los rápido. Talvez a imagem que as pessoas têm é de japoneses extremamente robotizados por causa da forte disciplina educacional. Isso seria um equívoco muito grande. As crianças e jovens são extremamente espontâneas. A interação dos professores e alunos são bem pessoais, permitindo espaço para brincadeiras e piadas. Porém, quando requisitado a ordem e organização são rapidamente estabelecidas pelos professores.

  
Sala de aula do Chuu gakko
A grade curricular possui esportes e artes. A atividade física é trabalhada desde jardim de infância e continua até o final da formação escolar. A prática de esporte é sempre munido de infra-estrutura como quadras, campos e material esportivo. Além dos eventos de undokai que seria um tipo de evento de atletismo (simplificando muito).

Aquela aula de educação artística que se tinha na escola brasileira, mas que na verdade era aula de geometria ou qualquer outra coisa, aqui não se vê. As aulas de artes são realmente de artes. A infra-estrutura das salas de música é de um nivel de curso técnico no Brasil. E o resultado que os alunos apresentam  apresentações de música que são incabíveis para nossa realidade brasileira. Toda aula extra curricular é tratada com igual importância.

Um aspecto fundamental é a dimensão das escolas, apesar de toda economia de espaço na cidade. Se tratando de escolas, não há economia de espaço. Todas as escolas são sempre muito amplas, com ginásio multidisciplinar para esportes e eventos e área para esportes ao ar livre e eventos que necessitam um lugar maior como os undokai.

Os alunos têm uma participação além dos horários de aula, fazendo a manutenção e limpeza da escola em finais de semanas, principalmente depois dos tufões. E os eventos feitos na escola têm a participação dos pais, o que torna a escola não só um centro de ensino, mas um o local onde toda a família se volta como uma área de convívio comum entre as pessoas da região.
  
Undokai do Shoo gakko de Nishihara

Por fim, é preciso destacar a dedicação das crianças que mesmo em férias de verão, por conta própria vão as bibliotecas para estudar. Muitas delas chegam antes da biblioteca abrir. E esperam com animação o horário de funcionamento da biblioteca, sem demonstrar peso de ter que estudar em plenas férias. No período letivo muitas delas fazem aulas de reforço no período noturno.

Os alunos podem ir por conta própria para escola, assim como para permanecer em atividades extras curriculares, pois o trânsito e a violência são muitos menos agressivos que na cidade de São Paulo. É possível ver crianças de até 8 anos andando nas ruas por conta própria, mesmo durante a noite. A escola japonesa segue o mesmo padrão em todo o Japão, o que no resultado final deixa todos em condição de igualdade para entrar na universidade, além de fortalecer os valores do país.

Apesar da educação brasileira ser falha, não acredito que seria possível fazer uma simples cópia do modelo japonês. A escola japonesa está ligada a cultura local. Tantos nos valores ensinados, como na relação geográfica entre a disposição das áreas residenciais e a escola. É um conjunto de fatores que torna a escola japonesa eficiente e relevante no papel de construção de um futuro de uma nação.


Tempo como valor cultural

     
Sunahuki (cabo de guerra) do bairro de
Kohatsu - Nishihara-cho
A pontualidade nipônica, em relação a horários, é conhecida pelo seu rigor assim como a pontualidade britânica. O Brasil, em contraposição, tem uma certa flexibilidade quanto a esse quesito. Tais diferenças, a meu ver, são pontos culturais de valores com razões históricas.

Os dois países, tanto o Japão quanto a Inglaterra, passaram por uma forte fase de industrialização, onde as produções tinham que seguir a risca o cronograma, com as pessoas estando sempre com pressa, comendo rápido e trabalhando em linhas de produção como uma máquina. Assim as pessoas ao longo do tempo se habituaram a seguir a risca os horários.

Tanto Okinawa como o Brasil, no entanto, não passaram por esse processo. Okinawa era conhecido pelo seu "Okinawa time", sempre atrasados. Porém isso não acontece mais hoje em dia. Com a incorporação de Okinawa ao Japão, esse valor foi transferido para ilha, sendo agora "Okinawa on time", mas os Okinawanos ainda me parecem mais tolerantes com relação a atrasados do que os japoneses da ilha principal.

Um exemplo das diferenças também está em que algumas salas de musicais em São Paulo podem chegar a atrasar meia hora de propósito, enquanto alguns lugares do Japão podem antecipar o espetáculo em 5 minutos.
       
Paisagem do nordeste de Okinawa

A relação do tempo não se restringe apenas em ser pontual, mas como em toda relação humana. Em uma conversa com um japonês, provavelmente, ele espera de você respostas exatas e práticas, sem rodeios, enquanto os brasileiros gastam muito tempo falando de assuntos supérfluos. A consequência disso é que os Britânicos e Japoneses são vistos pelos brasileiros como um povo frio nos relacionamentos.

Essa relação já muda completamente se tratando de Okinawa. É um povo caloroso, assim como os brasileiros. Pois ambos os lugares tiveram processos históricos distintos dos países onde houve uma forte industrialização, assim a relação do tempo é diferente: sem pressa, o que implica em uma relação humana mais agradável dentro do nosso ponto de vista, brasileiro.

Apesar de muitas vezes a pontualidade ser vista como um fator positivo em ambas as culturas, Brasileira como Japonesa, o tempo como valor cultural é apenas um valor. Indiferente de ser bom ou ruim, são apenas diferenças culturais. Nós, no Brasil, lugar onde ainda estamos configurando os valores culturais, podemos fazer escolhas dos valores. E buscar um equilíbrio melhor entre tempo e relações humanas.

Transporte público

O transporte público em Okinawa é um caso peculiar. O sistema em si é bem diferente do que temos em São Paulo e deve ser diferente de outras cidades maiores do Japão.

O único transporte público que se entende por toda ilha é ônibus. Sempre ficamos abismados com as tarifas de ônibus e metrô inflacionando no Brasil. Antes de vir para Okinawa, o preço da passagem chegava aos exorbitantes 3 reais.

Os ônibus em Okinawa, você paga pela distância percorrida. Como funciona? Você entra em pega um papel com um número, em uma máquina própria para isso. A cada grupo de pontos esse número vai aumentando. Dentro do ônibus tem um painel com esses números e os valores referentes a serem pagos. Como é um painel digital, conforme o ônibus vai seguindo o seu trajeto, o valor a ser pago vai aumentando.

O valor inicial é de 160 ienes (algo em torno de 4 reais). Eu gastava em torno de 30 reais para ir de Katsuren-cho a Nishihara-cho, todos os dias, pegando dois ônibus, com uma distância percorrida em 1 hora e meia. Ou seja, a relação do transporte público é completamente diferente.

Os ônibus em muitos horários circulam praticamente vazios. Muitas vezes, e foram inúmeras vezes, parecia que eu estava em um ônibus particular apenas para mim. A maioria das pessoas usam carro, sendo em maioria estudantes e idosos que usam o ônibus, pois podem pagar uma tarifa especial. O que acontece, pelo que me explicaram, é que o governo subsidia as empresas de transporte público, assim elas não tem prejuízo.

Os ônibus passam nos pontos com horário marcado. Porém nem sempre é seguido a risca. E na maioria das vezes em uma hora passa apenas dois ônibus. Diferente do estamos acostumados em São Paulo, com ônibus a cada 10 ou 15 minutos e mesmo assim sempre cheios.

Um dos motivos que eu imagino para o governo manter o transporte público caro e ineficiente por aqui é para proteger a indústria automobilística. Assim, todos têm que comprar carro. Rigorosamente, todas as pessoas têm carro. E outro ponto que me foi comentado, é que os carros mais antigos têm impostos mais altos em relação aos mais novos.

Desconheço as práticas do governo japonês, mas de alguma forma as marcas de carro estrangeiras não entram por aqui, em Okinawa ao menos. Carros de marca não japonesa são uma raridade.

Provavelmente, transporte público não é uma das questões de debates políticos em Okinawa, apesar de parecer uma medida um tanto quanto estranha não se investir em um transporte de massa eficiente. O Brasil também possui muitas contradições na relação de proteger a indústria automobilística, como: reduzir os impostos para aquecer as compras, mas por outro lado sempre impor rodízios para redução de veículos em circulação.
Membros da WYUA - World Young Uchinanchu Association: (da esquerda para direita) Yonaha Noriko, Tamanaha Sadao, Miyasato Reiko, Miyahira Ritsuko, (a frente) Goya Mariela, Tamamoto Minami ( presidente da WYUA)

4 comentários:

Chuei Matsudo disse...

Parabéns Sadao!!! お疲れ様!

Tetsuo H disse...

MUITO BEM REDIGIDO! KARIYUSHI!!!

Ideias Incessantes disse...

Arigatou !! =]

Cintia Yumi Yonamine Vaz disse...

Parabéns Sadao !
Não sei se vai se lembrar de mim,mas sou filha do Sr. Yasunori Yonamine e Helena, aqui do Grupo de Nishihara de São Paulo.
Que alegria em ler as suas descrições !!! O estágio foi mais que aproveitado. Creio que no dia 03/02/13 , na festa aqui no Carrão, vc poderá compartilhar dessas vivências com todos. Grande Abraço.
Cintia Yumi Yonamine Vaz

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